5.8.09

“Mataram irmã Dorothy”

O meu senso artístico, em especial com relação ao cinema, é pífio. Mas me atrevo a indicar, sem vacilar, um documentário que pessoalmente achei incrível: “Mataram irmã Dorothy”.
O documentário já passou pelos cinemas há alguns meses, mas só domingo, quando estreou na tevê brasileira, no Discovery Channel, é que tive a chance de assisti-lo.
A película obviamente trata do caso do assassinato da religiosa norte americana, Dorothy Mae Stang, a irmã Dorothy, como ficou conhecida, que em fevereiro de 2005 ganhou repercussão nacional e internacional. A história creio que todos mais ou menos já a conheçam. Mas vamos a alguns fatos relevantes.
A irmã Dorothy, que pertencia a uma congregação destinada à educação dos mais pobres, desenvolvia, desde a década de 70 no Brasil, um trabalho que aliava educação e melhora da qualidade de vida de populações no Norte do país. O projeto da religiosa passava pela redistribuição das comuníssimas terras “griladas”, terras sem dono, no Pará, entre famílias carentes visando à recuperação de áreas antes degradadas pelo agronegócio através da agricultura de subsistência.
Infelizmente, aos olhos de muitos, este projeto era intransigente, prejudicava a indústria madeireira, grande negócio da região de Anapu (município paraense onde Dorothy foi assassinada), e só gerava conflitos. O documentário mostra, no entanto, uma Irmã Dorothy que queria, sobretudo o debate em vez da oposição de intereses.
Indico este documentário porque além de ser o grande tema dos últimos e dos próximos anos, a questão ambiental no Brasil esbarra no modo de agir ou de não agir do povo. Falar da Irmã Dorothy é pretexto pra falar sobre algo que ouvi faz uns dias. “Pessoas acomodadas são mais felizes”. A frase era acompanhada de uma explicação, que dizia que pessoas que não eram “conformadas” sofrem muito durante a vida porque querem “mudar o mundo”, algo impossível. Não quero crer nessa idéia e encontrei na Irmã Dorothy um contra-argumento ideal.
Ela certamente não era alguém acomodado. Perseverou o quanto pode na sua causa e ao que parece encontrou a realização pessoal abraçando seus princípios. A luta pela preservação ambiental na Amazônia não é nova. Nas palavras de um dos irmãos de Dorothy: desde a morte de outro ativista icônico, Chico Mendes, as coisas pouco mudaram em termos de punição. Uma estagnação que pode ser traduzida por acomodação.
Torço pra que o “quarto poder” não explore apenas a violência das disputas de terra. Torço pra que todos estes fatos signifiquem um ponto de inflexão na crescente covardia e desordem que se instalam em alguns estados brasileiros que a lei ainda não alcança.
> "Mataram irmã Dorothy" (2008) - Dir.: Daniel Junge

27.7.09

A que será que se destina?

Hoje eu decido desafiar a inspiração. Quero escrever, mas não sei o quê. Mas também não quero só imprimir palavras no papel. Ta aí! Escrever não é mesmo só borrar de tinta esse branco papel? Eu busco uma resposta.
Há tempos essa questão martela na minha cabeça. Porque escrever?
Um verso do Pessoa diz: “O sol doira sem literatura.”. Os dias continuam a suceder-se quando não escrevo. É claro que o eu-lírico do verso não coincide com o autor, até porque o Pessoa entendia que ele tinha como missão “alargar a consciência da humanidade”, obviamente pela sua obra. Um tanto pretensioso.
A princípio eu sinceramente não escrevia pra ser lido. Era só um exercício íntimo de autoconhecimento. Mas hoje há sentido em comunicar. Há algum tempo, pra mim, a literatura e toda arte era meio estrito para a transformação pessoal, individual. Aquelas obras que almejam algo mais do que isso eram mera utopia. Desde os romances panfletários do Jorge Amado, até o realismo fantástico dos escritores latinos que buscavam senão ideologizar, ao menos conscientizar. Excluo obviamente os auto-ajudas da vida, que estão longe de incitar qualquer transformação.
A transformação do indivíduo talvez seja meio pra transformação da sociedade. Mas utopicamente, prefiro crer que o que existe é um intercâmbio de conhecimento. Não há obra ou texto que sozinhos operem mudança radical. Escritor e leitor criam juntos o saber. E por crer nisso não me interesso que o meu texto seja acabado. Ele é imperfeito, naturalmente, e muito imperfeito. Mas é assim que eu gosto. As incongruências podem também gerar um questionamento. E se isso for meio pra uma possível transformação, essa é a minha resposta.
Arte pra mim é sentimento que extravasa e que escapa ao ser. Algo espontâneo que não é capaz de ser contido e que por caminhos tortuosos sai do abstrato para o concreto. E por isso é imperfeita, passível de nascer das maiores escatologias.
O dilema está principalmente em congregar o eu e o nós. E admiro o Graciliano, (ele que, se há perfeição, esteve muito perto dela) entre outras razões, por isso. Ele teve peito pra abandonar a atitude predominantemente panfletária do Romance de 30. Não foi por isso que expurgou da obra dele o tom ideológico. A ideologia dele manifesta-se por meios mais sinuosos. Era através da escavação psicológica dos seus personagens que dava voz à opressão sócio-econômica que inevitavelmente precisaria ser ouvida. Conciliou com harmonia o homem e o meio.
Coisa pra mestres. Enquanto isso eu me viro com o que posso. Escrevo um pouco sobre o que se passa aqui na minha cabeça, um pouco sobre o que eu percebo do se passa diante dos meus olhos.

3.7.09

Outono de Brasília

Já inventaram mais de uma dezena de "Primaveras". A mais conhecida é a de Praga, a última dizem que acontece em Teerã. Mas pra falar a verdade eu sou meio cético com relação ao romantismo dos nomes dados a esses movimentos. Às vezes num mal súbito até chego a imaginar a "Primavera do Rio", em que o povo daria um “basta!” na violência (sonho burguês); a “Primavera de Bagdá" com os iraquianos resistindo à opressão ianque (sonho antiamericano); e vai por aí vai, primaveras dos mais variados gêneros.
Mas daí eu lembro que eu tenho um pé fincado no chão e que não me deixa sonhar muito, e que eu moro no Brasil. Os mais precipitados podem achar que agora eu vou vomitar asneiras anti-brasileiras à la Diogo Mainardi. Mas diferente do Diogo, acho que as minhas expectativas são bem mais... risíveis ou patéticas, se é possível.
Na minha cabeça, e eu creio nisso, o florescer do Brasil é um florescer eterno, um sonho intenso, diria Bilac, delirante pra mim. Um florescer que de tão demorado um dia acaba e as flores caem, assim, sem nem terem desabrochado. E desse jeito era uma vez o “florão da América”, aquele país do futuro. Pessimismos infantis à parte, só sei que a gente parece viver há uns 100 anos o porvir. Mas que a gente sempre esbarra em miudezas e por vezes em graudezas.
Quem sabe toda essa divagação seja inútil ou seja só uma sensação. E acho que é, por causa da política. Ou por causa de um rosto: Sarney, ou Sir Ney, como queiram. Ele me faz sentir que aqui há pouca ordem e pouco progresso. Esse homem é a personificação do que eu disse no parágrafo anterior. Dizem que quando ele surgiu pro público era o messias, o rosto da renovação, do novo jeito de fazer política (é normal um déjà vu nessa hora). Hoje... Bom, não preciso nem terminar a história. O Sarney é uma promessa inacabada igual à do chavão do “país do futuro”. Um eterno porvir. Acho que ele até acha que tem alguém que acha ele vale um voto e vá lá, talvez valha, talvez seja só conto de fadas, talvez seja hora dele sair de cena. Mereçe um fim abrupto.
Enfim, é desse jeito que a gente vai levando: devargar, devagarinho. Esperando o outono mas crendo que a primavera brasillis não tem fim.

Alguém há de ler e de me entender.

21.6.09

Diz mais

Nesses dias em que há tudo pra se escrever sobre e ainda sim não há nada, tá aí
uma música cheia de paradoxo e pretensão.

Palavras não falam

Eu não escrevo pra ninguém e nem pra fazer música
E nem pra preencher o branco dessa página linda
Eu me entendo escrevendo e vejo tudo sem vaidade
Só tem eu e esse branco e ele me mostra o que eu não sei

E me faz ver o que não tem palavra
Por mais que eu tente, são só palavras
Por mais que eu me mate, são só palavras

Eu me entendo escrevendo e vejo tudo sem vaidade
Só tem eu e esse branco e ele me mostra o que eu não sei

Ah! Palavras não falam, in Peixes Pássaros Pessoas, de Mariana Aydar, 2009

6.6.09

Saturno e Urano

Não. Eu não sou esotérico. Não consulto horóscopo antes de sair da casa. Nem pra abrir a boca. Sequer pra escrever besteiras aqui. Saturno e Urano são os planetas que regem, ou que sei-lá-o- que, o meu signo. Como eu disse, não sou muito afeito a essa previsibilidade oferecida pelos horóscopos ou à metafísica das ciências esotéricas. Mas enfim, quando li que Saturno e Urano estavam relacionados de alguma forma à minha personalidade, segundo a astrologia, me senti quase que lido, decifrado. Um é ligado ao clássico, outro à modernidade. Me dei conta de que é isso que eu faço o tempo todo, se é que isso importa a alguém senão a mim. Ultimamente ouço em paralelo Vanguart, o folk matogrossense, e Edith Piaf, a chanson parisiense. É só um exemplo mas de fato eu não consigo me filiar à modernidade, à vanguarda ou fincar o pé no passado. Tento sempre misturar, reprocessar, reler as ideias, os conceitos. Adaptar, enquadar ao dia. Me dei conta que o mundo inteiro faz isso hoje. O Lula fez, o Tom fazia. Não existe nada mais pra ser criado hoje. O que dá pra fazer é isso: juntar um pouco do que já fizeram, olhar pra o que está feito e expelir qualquer coisa com aspecto de nova. Dizem que isso é pós-modernidade. Pra mim é falta de criatividade. Já ouvi até que tudo que existe na cultura ocidental já tinha sido pensado na Bíblia ou na Ilíada. Radical? Não. Mas nem ser radical o século vinte e um aceita.

14.5.09

O vaso sanitário e a internet



Mais do que o tear hidráulico, mais do que descaroçador de algodão, mais do que a máquina à vapor. O mais importante fruto da Revolução Industrial foi o vaso sanitário com descarga! Isso mesmo. E não foi pelas óbvias razões higiênicas, se é o que você deve estar pensando, foi pelo impacto social desse invento. O vaso sanitário com descarga mudou pra sempre o modo de a humanidade se relacionar com o seus dejetos, com o seu lixo, enfim, com as merdas que produz.
A História conta que a histeria das pessoas com o novo invento era tanta, que o uso da descarga hidráulica foi sendo pervertido à medida que se popularizava. Onde deveriam ser depositados #1 e #2, o povo começou a jogar todo tipo de lixo que se podia imaginar. De sapatos à garrafas, o vaso foi ia deixando de ser vaso pra ser uma nova lixeira. É verdade que a possibilidade de não ter que encarar nenhum dejeto que produzimos é mesmo fascinante. Mas o modo como usavam o vaso sanitário se tornou insano. Em Londres, por exemplo, a poluição vinda das fábricas, que já não era pouca, somou-se ao lixo doméstico e os rios londrinos ficaram muito comprometidos. Foi então que o governo resolveu intervir; sanar e sanear, literalmente, o problema, educando a população sobre o uso adequado da nova tecnologia, recuperando o que havia sido degradado e investindo em infra-estrutura.
Nos anos 2000 há quem diga que a latrina da humanida é a web. Possivelmente eu também esteja contribuindo, jogando um pouco de podre e sujo nela, agora. Mas o fato é que a internet é uma terra de ninguém. Cada um fala o que quiser, sobre o que e sobre quem quiser. Despeja asneiras, leviandades, mentiras, intimidades desnecessárias, podridão. Tudo isso com a possibilidade do anonimato. De novo: é fascinante! Liberdade levada às últimas consequencias. Os mais pessimistas profetizam o fim do saber e um império da ignorância. Longe de mim propor qualquer coisa que beire a censura. Mas parafaseando G. Brown: livres, mas não livres de valores éticos.